terça-feira, 18 de maio de 2010

Novas regras sobre a Prescrição


GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Prescrição retroativa e virtual: não desapareceram completamente. Disponível em http://www.lfg.com.br 11 maio. 2010.

Desde o dia 06.05.10 acha-se em vigor a Lei nº. 12.234/10, que diz:

LEI Nº 12.234, DE 5 DE MAIO DE 2010.

Altera os arts. 109 e 110 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

Art. 1º Esta Lei altera os arts. 109 e 110 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para excluir a prescrição retroativa.

Art. 2º Os arts. 109 e 110 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passam a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

"Art. 110 (...)

§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

§ 2º (Revogado)." (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Revoga-se o § 2o do art. 110 do Código Penal.

Brasília, 5 de maio de 2010; 189o da Independência e 122o da República. (Grifamos).

Veja a confusão: um dos projetos aprovados pelo Congresso (o atribuído ao deputado Antonio Biscaia – isso vamos ainda constatar fidedignamente) dizia coisa diferente:

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º - No Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, ficam introduzidas as seguintes alterações:

I – O artigo 109 passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 109 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no parágrafo único do artigo 110 deste código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:" (NR)

II - O § 1º do art. 110 passa a vigorar com a redação seguinte:

"Art. 110 (...)

§ 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da publicação da sentença ou do acórdão."

III – Revoga-se o § 2º do art. 110 do Código Penal. (Grifamos).

Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Este último projeto (seria o projeto Biscaia?) acabava definitivamente com a prescrição retroativa (e, em consequência, com a prescrição virtual ou antecipada ou em perspectiva). Olhem a sua redação: a prescrição "não pode, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da publicação da sentença ou do acórdão." O texto falava (reitere-se) em "data anterior à da publicação da sentença ou do acórdão".

A redação final sancionada e publicada (Lei 12.234/2010) diz outra coisa: a prescrição "não pode, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa."

Qual a diferença entre os dois textos? A seguinte: o projeto Biscaia (?) eliminava a prescrição retroativa totalmente. A lei publicada (e vigente) derrogou a prescrição retroativa pela metade. Como assim? A prescrição retroativa, como sabemos, pressupõe sentença condenatória publicada e é contada para trás, com base na pena em concreto fixada. Havia dois períodos prescricionais possíveis (na prescrição retroativa): 1º) da data do fato até o recebimento da denúncia ou queixa; 2º) da data do recebimento da denúncia ou queixa até a publicação da sentença. Eram períodos prescricionais autônomos (não podem ser somados).

O projeto Biscaia (?) eliminava a possibilidade de contagem dos dois períodos prescricionais descritos. A lei publicada (diferentemente) só proibiu a contagem do tempo que vai da data do fato até o recebimento da denúncia ou queixa. Ou seja: eliminou a possibilidade de prescrição retroativa em parte.

Do exposto cabe inferir: a prescrição retroativa (tal como a prescrição virtual) não desapareceu completamente. Vejamos: a prescrição retroativa era verificada ao longo de toda esta linha do tempo:

_______I______(1º período)______________I____(2º período)_____________________________I______________________

data do fato - recebimento da denúncia - publicação da sentença ou acórdão condenatório recorrível

Seja da data do fato até o recebimento da denúncia, seja do recebimento da denúncia até a publicação da sentença ou acórdão recorrível, bastava ver a pena aplicada (com trânsito em julgado para a acusação) e o transcurso do tempo a que se refere o artigo 109. Podia a retroativa acontecer dentro do primeiro ou do segundo período prescricional (que não podem ser somados). Ou dentro do primeiro ou dentro do segundo (sem nenhuma possibilidade de soma).

Ora, a reforma revogou o § 2º (que permitia contagem de tempo anterior ao recebimento da denúncia ou da queixa) e, para que não haja nenhuma dúvida, reiterou no § 1º que não se pode reconhecer prescrição que tenha por termo inicial data anterior à da denúncia (aliás mencionou errado, porque o marco é o recebimento da denúncia). O novo texto, como se vê, não proibiu o reconhecimento da prescrição com base na pena aplicada verificada entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença ou acórdão condenatório.

Conclusão: só não é possível agora (na prescrição retroativa) contar o tempo entre a data do fato e o recebimento da denúncia ou queixa. Em contrapartida, é possível ocorrer a prescrição entre o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença. Em outras palavras: não é possível contar (para a prescrição retroativa ou virtual) o prazo pré-processual (ou extra-processual). Só é possível contabilizar o prazo processual (a partir do recebimento da peça acusatória).

Exemplo de prescrição retroativa: crime de furto ocorrido em 2003. Denúncia recebida em 2004. Sentença condenatória de um ano publicada em 2009 e já com trânsito em julgado para a acusação. Um ano prescreve em quatro (CP, art. 109). Houve prescrição retroativa. Por quê? Porque entre o recebimento da denúncia (2004) e a publicação da sentença (2009) transcorreu lapso temporal superior a quatro anos. Neste exemplo continua sendo possível a prescrição retroativa, porque a nova lei só proibiu contar tempo anterior à denúncia ou queixa.

Trânsito em julgado para a acusação: também é pressuposto da prescrição retroativa o trânsito em julgado para a acusação ou o improvimento do seu recurso (art. 110, § 1º, do CP). Explica-se: logo depois de publicada a sentença condenatória, pode ser que a acusação se conforme com a sentença (e com a pena). Nesse caso, já se pode falar em coisa julgada para a acusação (e já se torna possível fazer o cálculo da prescrição retroativa, tendo em conta a pena concreta fixada). De outro lado, pode ser que haja recurso da acusação: neste caso não há que se falar em trânsito em julgado. Logo, se o recurso da acusação visa a aumentar a pena, impõe-se aguardar o seu julgamento (que pode ou não ter o efeito de evitar a prescrição retroativa: tudo depende do provimento, do aumento da pena, de uma eventual mudança na escala do art. 109 do CP etc.).

Uma possível razão para a nova regulamentação da prescrição retroativa: enquanto o fato criminoso (aparente) está sendo investigado há muitas vezes grande complicação. O que fez a nova lei? O seguinte: não se conta a prescrição retroativa enquanto tramita a investigação. Mesmo que ela demore, não há que se falar em prescrição retroativa (de acordo com a nova lei). Já a partir da denúncia (ou queixa) existe um processo (e um constrangimento). A demora na tramitação do processo é absurda (e fere o direito constitucional do prazo razoável). A prescrição retroativa penaliza a demora judiciária (já não mais "sanciona" a demora na investigação). O que "sanciona" a demora na investigação é a prescrição pela pena máxima em abstrato. Ou seja: não é correto afirmar que doravante (depois da nova lei) já não existe nenhuma prescrição antes do recebimento da denúncia ou queixa. Existe: é a prescrição pela pena máxima em abstrato.

Direito intertemporal: a lei nova é desfavorável ao réu. Logo, irretroativa. Só pode ser aplicada para fatos ocorridos de 06.05.10 para frente. Crimes ocorridos até 05.05.10 continuam regidos pelo Direito penal anterior (ou seja: para esses crimes a prescrição retroativa ainda é contada da data do fato até o recebimento da denúncia ou desta data até a publicação da sentença). É importante, por isso, saber a antiga regulamentação da prescrição retroativa (porque é ela que rege os crimes antigos, ou seja, ocorridos até 05.05.10). A regulamentação nova só rege os crimes novos (de 06.05.10 para frente).

Prescrição da pretensão punitiva pela pena máxima em abstrato: desde 06.05.10, para crimes ocorridos desta data em diante, não se pode contar (na prescrição retroativa) nenhum tempo anterior ao recebimento da denúncia ou queixa. Cuidado: isso não significa que não existe nenhuma prescrição nesse período pré-processual (antes do recebimento da denúncia ou queixa). Nesse período rege a prescrição da pretensão punitiva pela pena máxima em abstrato (ou seja: a investigação não pode ser eterna; caso o Estado demore muito para apurar os fatos, ocorre a prescrição pela pena em abstrato).

Prescrição virtual ou antecipada ou em perspectiva: a jurisprudência dos tribunais (praticamente) nunca aceitou essa modalidade de prescrição (que é espécie de prescrição da pretensão punitiva). O STJ, a propósito, chegou a editar a Súmula 438 (nesse sentido). Mas a primeira instância da justiça criminal brasileira (sabiamente) sempre a reconheceu e a aplicou. Que é a prescrição virtual? É a prescrição que se conta pela pena em perspectiva aplicável (pena que se vislumbra como aplicável, tendo em vista as circunstâncias do caso concreto). Essa prescrição sempre foi atrelada à prescrição retroativa. Com a nova lei, se a prescrição retroativa acabou pela metade, parece muito acertado afirmar que a prescrição virtual também se extinguiu pela metade. Como assim?

Ela já não pode ser contabilizada entre a data do fato e a denúncia (isso é que está proibido pela nova lei). Mas pode ser contada a partir do recebimento da denúncia ou da queixa. Exemplo: houve denúncia (em 2005, por um furto simples) e demorou-se para iniciar a instrução. Depois do transcurso do lapso prescricional em perspectiva (contado com base na pena em perspectiva de um ano), já não se justifica iniciar a instrução criminal em 2010 (por faltar-lhe justa causa). Da denúncia (2005) até hoje (2010) transcorreram cinco anos. Um ano (pena em perspectiva) prescreve em quatro. Já transcorreu o tempo da prescrição retroativa. Para que levar esse processo adiante? Só para se chegar à sentença e a partir daí reconhecer a prescrição retroativa? A inutilidade do uso da maquina judiciária, nesse caso, é patente! Falta justa causa para essa ação penal. O trancamento da ação penal está (mais do que) justificado.

Direito intertemporal: no que diz respeito à prescrição virtual a lei nova também é desfavorável ao réu. Logo, irretroativa. Só pode ser aplicada para fatos ocorridos de 06.05.10 para frente. Crimes ocorridos até 05.05.10 continuam regidos pelo Direito penal anterior (ou seja: para esses crimes a prescrição virtual ainda é contada da data do fato até o recebimento da denúncia ou desta data até a publicação da sentença).

Alteração da prescrição pela pena máxima em abstrato: a prescrição pela pena máxima em abstrato está prevista no art. 109 do CP, que sofreu a seguinte alteração (pela Lei 12.234/2010):

"Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

Antes o lapso prescricional, nesse caso (pena inferior a um ano), era de dois anos. Agora, sendo a pena máxima inferior a um ano, o prazo prescricional passou a ser de três anos. Eis algumas conseqüências (consoante observação de Rogério Sanches): (a) o prazo prescricional das sanções disciplinares da lei de execução penal (LEP) era de dois anos, consoante jurisprudência do STF (menor prazo prescricional do Código Penal); agora passou a ser de três anos; (b) os prazos prescricionais antes (CP, art. 109) eram (em princípio) múltiplos de dois (menos de um prescreve em dois, de um a dois prescreve em quatro, de dois a quatro prescreve em oito etc.). Agora já não é mais assim: menos de um ano prescreve em três, de um a dois prescreve em quatro etc.; (c) essa prescrição reduzida pela metade (CP, art. 115) é de um ano e meio; (d) a prescrição relacionada com o usuário de drogas (Lei 11.343/2006, art. 30), no entanto, continua sendo de dois anos (lei especial afasta a regra geral); isso reforça nossa tese de que a infração penal do art. 28 citado é mesmo sui generis.

Direito intertemporal: a lei nova, ao aumentar o prazo prescricional, é desfavorável ao réu. Logo, irretroativa. Só pode ser aplicada para fatos ocorridos de 06.05.10 para frente. Crimes ocorridos até 05.05.10 continuam regidos pelo Direito penal anterior (ou seja: para os crimes com pena máxima inferior a um ano, cometidos até 05.05.10, continua o prazo prescricional de dois anos). A nova lei, sendo prejudicial, não pode retroagir. Aliás, não pode retroagir para prejudicar o réu em nenhum caso (contagem da prescrição dos crimes, contagem da prescrição das sanções disciplinares da LEP etc).